14 abril 2009

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brubeck



Blue Rondo a la Turk (Dave Brubeck)
Take Five (Paul Desmond)

cover: watercolor illustration by graphic designer Milton Glaser

13 abril 2009

natureza humana


Porque somos como somos? A psicologia evolucionista e a natureza humana

Por Maria Emília Yamamoto

A relatividade temporal das adaptações está sempre presente, uma vez que um organismo que consegue sobreviver e reproduzir passa para seus descendentes as adaptações a aspectos do ambiente que estavam presentes em seu tempo de vida. Esta mesma adaptação pode passar para várias gerações seguintes, mesmo que o ambiente tenha mudado, pois as mudanças produzidas na população pela seleção natural podem levar um tempo muito mais longo do que as alterações do ambiente, que podem ser muito rápidas. Por exemplo, a agricultura e a pecuária surgiram há apenas 10 mil anos, o que em termos evolutivos é um período muito breve. Essas “novidades” evolutivas permitiram, entre outras coisas, a passagem de uma vida nômade para o estabelecimento de locais fixos de moradia e a produção de excesso de recursos, que deu origem a um crescimento dramático da população. Passamos então, muito rapidamente, para um modo de vida de caçador-coletor, caracterizado por pequenos grupos nômades, com alto grau de parentesco, para grupos urbanos em cidades superpopuladas, nas quais cruzamos todos os dias com pessoas que nunca mais veremos novamente. Esse período de 10 mil anos foi insuficiente para que várias das adaptações ao modo de vida caçador-coletor fossem substituídas por adaptações a aspectos mais recentes do meio ambiente. Podemos então dizer que somos criaturas pré-históricas vivendo em um mundo moderno e, como tal, mantemos vários traços que respondem a desafios enfrentados por nossos ancestrais em um passado distante, o Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE).

Quando o ambiente muda, o comportamento pode se mostrar inadequado às novas circunstâncias. Obviamente, as pressões seletivas podem levar à evolução de novas adaptações, porém, o tempo necessário para que elas evoluam é sempre muito mais longo do que o necessário para que as alterações ambientais ocorram. Em consequência, alguns dos comportamentos que exibimos estão mais bem adaptados ao AAE do que ao ambiente atual. Ao analisar o comportamento é importante considerar, portanto, não apenas as causas presentes no tempo de vida do indivíduo, ou causas próximas, mas também como nossa natureza foi moldada pelos desafios que nossos ancestrais tiveram que enfrentar, e que resultaram em uma espécie com as características que reconhecemos como humanas. Em outras palavras, somos como somos porque nossa espécie e as espécies que a antecederam superaram desafios colocados pelo ambiente que levaram à modelagem da natureza humana, e porque com essa mesma natureza básica hoje enfrentamos um ambiente em grande parte diferente daquele no qual ela foi moldada.

Porém, nosso comportamento parece tão distinto do de nossos ancestrais que é difícil aceitar que somos de fato os mesmos. Na realidade, somos o produto de nossa biologia tanto quanto o somos de nossa cultura. A espécie humana, talvez mais do que qualquer outra espécie, apresenta uma incrível plasticidade comportamental que é considerada um dos padrões mais importantes na história da evolução humana e que responde por essa incrível diversidade entre as várias populações humanas.

[...]

Porém, atualmente, novas preocupações – que nunca estiveram presentes em nossos ancestrais – nos perseguem: o sobrepeso e a obesidade. Especialmente na sociedade ocidental há alimentos em excesso. Desses, parecemos preferir aqueles que são gordurosos e doces, exatamente aqueles que os médicos nos sugerem evitar. Infelizmente, assim como herdamos preferência pelos gostos básicos, também herdamos de nossos ancestrais um grande apetite, especialmente por alimentos gordurosos e doces. No ambiente no qual nossos ancestrais viveram, esses tipos de alimento eram escassos ou os nutrientes eram pouco concentrados nos alimentos disponíveis. Por esta razão, nossos ancestrais gastavam grande parte do tempo à procura de alimentos para suprir as necessidades de gorduras e açúcares e, quando os encontravam, provavelmente consumiam em grande quantidade; afinal, não podiam prever quando os encontrariam novamente. Além disso, a própria atividade de procura de alimento e a vida nômade faziam deste nosso ancestral um indivíduo extremamente ativo, ao contrário do sedentarismo da moderna vida urbana. Respondemos ao alimento e à atividade física como se vivêssemos em um mundo com escassez de alimentos ricos em gorduras e açúcares e com exigência de altos níveis de atividade física. Resultado: excesso de peso.

Tendo em vista esse grande apetite herdado e a disponibilidade de alimentos durante todo o ano, processados de forma a se tornarem mais saborosos (com maior concentração de açúcares e gordura), não é de estranhar que o problema de sobrepeso tenha adquirido grande destaque em nossa sociedade. Com os alimentos disponíveis conseguimos suprir nossa necessidade diária de nutrientes e ingerimos facilmente mais do que precisamos. No passado evolutivo, nossos ancestrais enfrentaram problemas de saúde pela falta de gordura e açúcares na dieta. Hoje, enfrentamos problemas de saúde pelo excesso de gordura e açúcares. (mais)


Comentário: um exemplo claro de mecanismo adaptativo ancestral que se tornou disfuncional em nossos tempos é a chamada "reação de luta e fuga" (fight or flight reaction), denominação dada ao conjunto de mudanças fisiológicas que ocorrem nos animais diante de um perigo, e que nos acompanham até hoje como parte sintomas físicos de ansiedade. Entre estas mudanças estão o aumento da frequencia cardíaca e da pressão arterial (necessários ao aumento da vascularização muscular); o aumento da ventilação pulmonar (oxigenação); dilatação pupilar (amplitude visual); e tensão muscular (rápida ação). Se tais reações eram importantes para o combate a animais predatores ou a tribos inimigas, elas de pouco valem para enfrentar os perigos que rondam o homem contemporâneo, especialmente aqueles que dizem respeito à sua sobrevivência material (perda de emprego, por exemplo) e emocional (as demandas por sucesso e status social, o narcisismo cultural, etc.). Tais eventos fisiológicos, que ocorriam diante de uma ameaça física, continuam ocorrendo hoje, quando os perigos são muito mais direcionados à nossa segurança ontológica e nossa auto-estima, e fazem parte dos sintomas mais comuns da ansiedade.
PS. É claro que existem riscos também a nossa integridade física, especialmente quando estamos expostas à violência urbana. Nesses casos, entretanto, e infelizmente, de pouco nos adiante correr...